A revolu��o da informa��o
Peter Drucker
http://www.centroatl.pt/edigest/digital/edicoesd/di3ten.html
Condensado de Forbes Asap (10 de Agosto de 1998)

O homem que inventou a gest�o tamb�m n�o podia faltar na edi��o de anivers�rio. Neste artigo que foi capa da revista Forbes Asap, Drucker anuncia a chegada da pr�xima revolu��o da informa��o. N�o se trata de uma revolu��o tecnol�gica, de maquinaria, de t�cnicas, de software ou de velocidade. Mas, sim, de conceitos

 

Nos �ltimos 50 anos, a revolu��o da informa��o centrou-se nos dados — recolha, armazenamento, transmiss�o, an�lise e apresenta��o. Estava centrada no �T� da abreviatura �TI� (tecnologias de informa��o). A pr�xima revolu��o da informa��o centra-se-� no �I� e questiona o significado e o prop�sito da informa��o. Isto levar� rapidamente � redefini��o das tarefas a realizar com a ajuda da informa��o e � redefina��o das organiza��es que as executam.

A pr�xima revolu��o da informa��o vai abranger todas as organiza��es importantes da sociedade moderna. Mas come�ou e teve um impacte mais profundo no terreno dos neg�cios, for�ando os executivos a redifinir o que � a empresa e o que deveria ser. A empresa passou a ter como principal fun��o a �cria��o de valor e de riqueza� que, por sua vez, impulsionou o actual debate sobre a sua �propriedade� isto �, para quem � que cria valor e riqueza. Contudo, apesar da sua import�ncia a pr�xima revolu��o da informa��o tem sido largamente ignorada pelo establishment da informa��o. Em parte, porque teve in�cio no departamento que os gestores de tecnologia de informa��o tendem a ignorar e a desprezar: a contabilidade.

TI produzem dados, n�o informa��es

Em 1950, julgava-se que o novo milagre chamado computador destinar-se-ia principalmente aos c�lculos cient�ficos, tendo como mercados, por exemplo, a astronomia ou o sector militar.

Um n�mero reduzido de pessoas (entre as quais me incluo) argumentou que o computador teria aplica��es importantes no campo dos neg�cios. Contrariando a opini�o corrente (nomeadamente a da toda-poderosa IBM) o grupo de dissidentes defendia que os computadores seriam mais do que uma m�quina de calcular veloz destinada a trabalhos de rotina como o processamento de sal�rios ou dos gastos gerais. Mas todos os n�o conformistas (incluindo Russel Ackoff, John Diebold e J. W. Forrester) estavam de acordo num aspecto: o computador iria revolucionar o trabalho da gest�o de topo.

N�o pod�amos estar mais errados. At� agora, os impactes revolucion�rios t�m ocorrido onde nenhum de n�s previu: nas opera��es. Nenhum de n�s podia ter imaginado que, numa frac��o de tempo e mediante custos muit�ssimos reduzidos, o software poderia, por exemplo, conceber projectos para grandes edif�cios desde a canaliza��o, sistema el�ctrico, aquecimento, ar condicionado �s especifica��es para os elevadores e sua coloca��o. Nem as suas potencialidades para os estudantes de Medicina. At� h� pouco tempo eles raramente podiam assistir a opera��es antes do final do curso. Hoje, o software permiti-lhes realizar opera��es virtuais que at� podem �matar� os seus pacientes se fizerem um erro cir�rgico.

H� 50 anos ningu�m poderia ter imaginado o software que permite a um grande fabricante de equipamento como a Caterpilar organizar as suas opera��es globalmente atendendo em tempo real �s necessidades dos clientes. O mesmo se passa nos bancos onde o software est� a revolucionar as opera��es.

No entanto, o computador e as tecnologias de informa��o ainda n�o tiveram qualquer impacte em decis�es como a constru��o, ou n�o, de um novo bloco de edif�cios, de uma escola, de um hospital ou de uma pris�o nem sobre a decis�o das fun��es deveriam desempenhar. N�o tiveram praticamente qualquer impacte na decis�o do diagn�stico cir�rgico de um doente em estado grave. N�o tiveram qualquer impacte na decis�o de um fabricante de equipamento relativamente aos mercados-alvo e aos produtos escolhidos, ou ainda na decis�o de um banco relativamente � aquisi��o de outro banco semelhante. Para as tarefas de gest�o de topo, a tecnologia de informa��o foi, at� hoje, mais uma fornecedora de dados do que de informa��es — em nenhuma circunst�ncia deu origem a novas e diferentes quest�es ou estrat�gias.

TI mudou as opera��es, n�o a estrat�gia

Os gestores de TI tendem a culpar aqueles a quem chamam �executivos reaccion�rios� por este falhan�o.

Nada mais errado. Os gestores de topo n�o usam as novas tecnologias porque estas n�o lhes d�o as informa��es de que precisam. As informa��es dispon�veis continuam a ser baseadas no teorema datado do in�cio do s�culo xix segundo o qual os custos mais baixos diferenciam as empresas e determinam a sua competitividade. Os dados dos sistemas de contabilidade tradicionais continuam fi�is a esse princ�pio.

Como sabemos, a contabilidade foi criada, h� pelo menos 500 anos, com o objectivo de fornecer os dados de que a empresa necessitava para preservar o activo e distribuir lucros. O maior contributo para a disciplina foi a contabilidade anal�tica (cost accounting) nascida nos anos 20. O seu objectivo era actualizar o sistema relativamente � economia do s�culo xix atrav�s do fornecimento de informa��es relativas aos custos e ao seu controlo (afinal, o mesmo se fez recentemente em rela��o � gest�o da qualidade total).

Por�m, na Segunda Guerra Mundial, come��mos a perceber que a preserva��o do patrim�nio e o controlo dos custos n�o s�o tarefas da gest�o de topo. S�o tarefas operacionais. Uma grande desvantagem de custo pode, de facto, destruir um neg�cio. Mas o sucesso depende de algo diferente: a cria��o de riqueza e valor.

Isto exige a tomada de decis�es que implicam riscos: na estrat�gia delineada, no abandono do que est� obsoleto, na aposta na inova��o, no equil�brio entre o curto e o longo prazo, ou no balanceamento entre a rentabilidade imediata e a quota de mercado. Estas decis�es s�o as verdadeiras tarefas dos gestores de topo.

Foi esta evid�ncia que, ap�s a Segunda Guerra Mundial, levou ao surgimento da gest�o enquanto disciplina aut�noma e distinta da economia financeira (hoje designada por microeconomia). O meu livro The Practice of Management, lan�ado em 1954, � tido como o respons�vel pelo nascimento da disciplina, por descrever as tarefas b�sicas da empresa como a �inova��o� e a �satisfa��o do cliente�, isto �, a cria��o de valor e de riqueza.

Por�m, o sistema de contabilidade tradicional n�o fornece quaisquer dados para estas tarefas da gest�o de topo. De facto, nenhuma destas tarefas � sequer compat�vel com os pressupostos do modelo tradicional de contabilidade. As novas tecnologias de informa��o baseadas nos computadores, n�o tinha outra alternativa sen�o respeitar o sistema de contabilidade vigente. Recolhiam sistematizavam, manipulavam, analisavam e, por fim, apresentavam os dados.

Da� o tremendo impacte que a tecnologia teve nas opera��es (para as quais a contabilidade anal�tica foi concebida) e o impacte quase inexistente da TI na gest�o do pr�prio neg�cio.

TI focam o interior, n�o o exterior da empresa

A frustra��o da gest�o de topo com os dados que a TI forneceu at� � data accionou a pr�xima revolu��o da informa��o.

Os t�cnicos e os executivos respons�veis pela informa��o nas empresas, rapidamente se aperceberam de que os seus clientes internos n�o precisavam de dados contabil�sticos. Por�m, n�o perceberam que n�o era necess�rio mais informa��es, mais tecnologia, maior rapidez, mas, sim, novos conceitos.

Nos �ltimos anos, os gestores de topo come�aram a questionar-se sobre os conceitos de informa��o necess�rios para as novas tarefas. Agora come�aram a pedi-los aos seus fornecedores de informa��o habituais, ou seja, as pessoas do departamento de contabilidade.

O primeiro dos novos conceitos de informa��o a ser usado foi o da contabilidade da cadeia de valor econ�mico (economic-chain accounting). A contabilidade tradicional fornece informa��es sobre os movimentos financeiros que ocorrem no interior da empresa. Enquanto a economic--chain accounting fornece custos atrav�s de toda a cadeia econ�mica, desde o fornecedor at� ao cliente final.

Trata-se de um conceito que nasceu nos Estados Unidos h� 80 anos lan�ado por William C. Durant. Este, entre 1908 e 1929 (bem antes de Alfred Sloan), construiu a General Motors e merece ser chamado o inventor da ind�stria autom�vel. No in�cio dos anos 20 o seu modelo de contabilidade foi ligeiramente modificado pela Sears, e dez anos mais tarde, pela Marks & Spencer no Reino Unido. A Toyota, nos anos 50, copiou-o quase sem altera��es. Passados 25 anos, o falecido Sam Walton repatriou-o para os Estados Unidos tornando-o a base do sucesso da Wal-Mart.

A economic-chain accounting n�o requer um computador. Provavelmente William Durant nem sequer tinha uma m�quina de calcular. Por�m, � evidente que um computador ajuda enormemente o processamento dos n�meros. Logo, � nesta forma computadorizada que o conceito est� a ser introduzido nas empresas industriais e, em particular, no sector do retalho e servi�os.

Em 1980 surgiu o conceito de custeio baseado na actividade (activity-based costing). Ao contr�rio da tradicional cost accounting, n�o foi concebido para minimizar custos, mas, sim, para maximizar lucros. Concentra-se na cria��o de valor e n�o na elimina��o do desperd�cio. Desde ent�o surgiram diversos novos conceitos como, por exemplo, o EVA (economic value added) ou o balanced score card.

Cada um destes conceitos foi desenvolvido separadamente e por pessoas diferentes. Mas cada qual usa a informa��o de forma diferente e � baseado na nova defini��o de empresa como criadora de valor e riqueza. E um pequeno, mas crescente n�mero de empresas est� a juntar estes novos conceitos e instrumentos para formarem um sistema de informa��o para a gest�o de topo. � evidente que utilizam computadores — apesar de habitualmente n�o ser necess�rio nada mais sofisticado do que um PC cuja velocidade n�o � a quest�o-chave. Este novo sistema, contudo, est� a ser concebido sem grande colabora��o dos respons�veis pelas TI e raramente � gerido por elas. Est� a ser concebido e gerido por pessoas das finan�as.

Podemos j� imaginar a pr�xima e a mais importante tarefa no desenvolvimento de um sistema de informa��o eficaz para a gest�o de topo: a recolha e organiza��o de informa��es focadas no exterior da empresa. As que temos at� agora est�o focadas no interior. Por�m, dentro da empresa existem apenas custos. Os resultados est�o no lado de fora. O �nico centro de lucros � um cliente cujo cheque teve cobertura. Mas sobre o exterior (clientes, competidores, mercados, tecnologias) n�o temos informa��es. Poucos neg�cios prestam sequer aten��o � demografia. E ainda menos se apercebem que as informa��es mais importantes para a estrat�gia s�o acerca do aumento ou redu��o dos montantes que os clientes gastam nos produtos ou servi�os de cada ind�stria.

O grau de pobreza das informa��es exteriores que s�o fornecidas aos gestores de topo, mesmo as que est�o facilmente dispon�veis, foi patente no recente colapso das economias asi�ticas. Este crash era previs�vel pelo menos um ano antes de acontecer. A �nica quest�o era o que � que o iria desencadear e onde � iria come�ar. Era vis�vel, por exemplo, nas estat�sticas sobre a dimens�o e a composi��o das d�vidas e balan�as de pagamentos dos pa�ses asi�ticos.

Por�m, a maioria das grandes empresas — tanto americanas como as japonesas — foi apanhada de surpresa. Isso sucedeu porque apesar dos consider�veis investimentos que tinham feito nesta regi�o todas as informa��es que possu�am eram meramente internas.

TI precisam de revolu��o, n�o de mudan�a

A nova revolu��o vai fornecer aos gestores de topo informa��o exterior ainda mais importante e urgente. Os novos conceitos de informa��o de que dispomos apenas continuam a fornecer informa��es internas. Podemos argumentar que o computador agravou a tend�ncia das empresas se concentrarem nos custos e recursos internos, em vez de se focarem nas oportunidades, mudan�as e amea�as exteriores. Esta tend�ncia � cada vez mais perigosa devido � globaliza��o, �s r�pidas mudan�as dos mercados, ao comportamento dos consumidores e � instabilidade crescente das moedas. Quanto maior a quantidade de informa��o interna recebida pela gest�o de topo, maior a necessidade de a equilibrar com informa��es do exterior.

Nos pr�ximos 10 a 15 anos, o desenvolvimento destas informa��es ir� ser a pr�xima fronteira das TI. A tarefa j� est� a ser levada a cabo, n�o pelos gestores de sistemas de informa��o, mas principalmente pelos gestores de topo.

A nova revolu��o da informa��o teve in�cio no mundo empresarial. Mas est� prestes a alastrar para a educa��o e a sa�de. Provavelmente vai provocar mudan�as dr�sticas em ambas. Mais uma vez, as mudan�as de conceitos acabar�o por ser t�o importantes como as mudan�as de instrumentos ou de tecnologia.

Daqui a 25 anos, o ensino � dist�ncia poder� tornar obsoleta aquela institui��o que � o liceu. Outra consequ�ncia prov�vel: o centro de gravidade na educa��o superior pode mudar para uma educa��o profissional cont�nua dos adultos durante toda a sua vida de trabalho. Isto, por sua vez, poder� deslocar a aprendizagem, das escolas para novos locais: a casa; o autom�vel; o local de trabalho ou onde pequenos grupos se podem reunir depois do trabalho.

Na sa�de espera-se uma mudan�a conceptual semelhante: os cuidados de sa�de deixar�o de significar uma mera luta contra a doen�a para passarem a ser definidos como a manuten��o do bem-estar f�sico e mental dos indiv�duos. Os tradicionais fornecedores de cuidados de sa�de, os hospitais e os m�dicos de cl�nica geral n�o poder�o sobreviver a esta mudan�a.

Em suma, tanto na educa��o como na sa�de o �nfase passar� do �T� para o �I�, da mesma forma como acontece nas empresas. Ser� que os gestores de TI est�o preparadas para isso? N�o creio!

As TR�S revolu��es

A pr�xima revolu��o da informa��o ser� a quarta da hist�ria da humanidade.

Eis a respectiva cronologia

A primeira revolu��o consistiu na inven��o da escrita que ocorreu h� cerca de 5 ou 6 mil anos na Mesopot�mia; milhares de anos mais tarde na China; e 1500 anos depois, na Civiliza��o Maia da Am�rica Central.

A segunda revolu��o foi a da inven��o do livro escrito. Ela ocorreu em primeiro lugar na China, por volta de 1300 a. C.; e em seguida, 800 anos mais tarde, na Gr�cia (quando Peisistratos, o tirano de Atenas, mandou copiar os versos de Homero — que at� ent�o eram apenas recitados — para livros).

A terceira revolu��o foi a da inven��o da imprensa escrita entre 1450 e 1455, pela qual Gutemberg foi respons�vel.

As li��es do PASSADO

Quando Gutemberg inventou a imprensa j� existia uma ind�stria de informa��o na Europa. Nomeadamente em milhares de mosteiros onde existiam monges altamente qualificados. Trabalhavam desde o amanhecer at� ao p�r do Sol, seis dias por semana, copiando livros � m�o.

Em 1500, os monges tinham sido substitu�dos por um n�mero reduzido de artes�os. Uma equipa de impressores produzia anualmente 25 milh�es de p�ginas impressas, encadernadas em 125 mil livros. E os pre�os desceram dramaticamente. Na altura da inven��o de Gutenberg os livros eram um luxo que apenas os ricos e educados podiam suportar. Mas quando saiu a B�blia alem�, de Martinho Lutero, em 1522, o seu pre�o era de tal forma reduzido que mesmo a mais pobre fam�lia de camponeses a podia comprar.

Logo, eu apelo � humildade. A redu��o de custos e o impacte da revolu��o da imprensa na sociedade, educa��o, cultura e religi�o foi maior do que o da actual revolu��o da informa��o.

As li��es para o FUTURO

A revolu��o da imprensa criou uma nova classe de t�cnicos de informa��o – os primeiros impressores — tal como a recente revolu��o de informa��o deu origem a uma s�rie de profiss�es: especialistas de TI, designers de software, e gestores de sistemas de TI.

Ao contr�rio dos primeiros artes�os, os impressores eram conhecidos e admirados em toda a Europa, tal como acontece hoje com os nomes das maiores firmas de computadores e de software. Em 1580, tornaram-se vulgares artes�os ou comerciantes respeit�veis, mas deixaram de pertencer � classe superior. O seu lugar foi ocupado pelo que hoje chamamos editores (apesar do termo ter sido forjado muito mais tarde), pessoas e empresas cujo foco j� n�o � o T da TI, mas o I.

A quarta revolu��o da informa��o est� viver o mesmo desafio: a mudan�a do significado da informa��o, da fun��o e do prop�sito das empresas.

Existir� uma li��o a retirar para os t�cnicos e gestores de TI, para os designers e criadores de software e para todos os devotos da lei de Moore? Creio que sim: a humildade.

Condensado de Forbes Asap (10 de Agosto de 1998). Publicado com permiss�o de Forbes, Inc. Traduzido por Catarina Ferrer. Adaptado por Jaime Fidalgo Cardoso.

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